A Fifa tem o sonho de ter uma grande competição de clubes para chamar de sua e parece que a sua tentativa de um Mundial de Clubes concretiza essa visão. O Conselho da Fifa, realizado nesta terça-feira, aprovou o novo formato do Mundial de Clubes com 32 times, sendo 12 deles da Europa, seis da América do Sul, quatro da África, quatro da Ásia, quatro da Concacaf, um da Oceania e um para o país-sede. A distribuição de vagas deixa claro: a Fifa quer uma Champions League para chamar de sua.
“Seguindo a decisão tomada pelo Conselho da Fifa em dezembro de 2022 para expandir o Mundial de Clubes de 24 para 32 clubes, com a primeira edição assim a ser realizada em julho e julho de 2025, o Conselho aprovou unanimemente a alocação de vagas. A decisão tomada foi baseada em um grupo de métricas e critérios, e o resultado da alocação é o seguinte: 4 vagas para a AFC; 4 vagas para a CAF; 4 vagas para a Concacaf; 6 vagas para a Conmebol; 1 vaga para a OFC; 12 vagas para a Uefa; 1 vaga para o país-sede”, diz o comunicado da Fifa.
O Conselho da Fifa ainda decidiu que o Mundial de Clubes de 2023 será realizado na Arábia Saudita, ainda com o formato atual de sete clubes, um por confederação e mais um do país-sede. Será a última edição com este formato antes do novo formato e indica mais uma vez o quanto os sauditas se tornaram influentes e próximos da Fifa – inclusive forneceram garantias financeiras para a Fifa buscar um novo formato do Mundial, com mais clubes.
A ideia de expandir o Mundial de Clubes é bem antiga. Desde que assumiu a presidência da Fifa, em 2016, Gianni Infantino queria essa expansão. As razões eram até compreensíveis, em certo aspecto: o Mundial de Clubes atrai pouquíssimo interesse ao redor do mundo. O Brasil é uma exceção nesse sentido, porque aqui o Mundial ganha uma repercussão enorme. Fora do Brasil, há pouco interesse, exceto em alguns países quando há um clube local disputando, como o México ou, no caso deste ano, dos Estados Unidos. Mesmo assim, nem se compara ao interesse brasileiro.
Com a falta de interesse, o resultado é que o torneio não atrai a atenção dos patrocinadores e nem vende direitos de TV com valores altos. É, portanto, um torneio pouco atrativo comercialmente. Somado isso à insatisfação quase generalizada dos europeus com o torneio (afinal, nem esportivamente e nem financeiramente se sentiam atraídos), a ideia era mesmo encontrar uma forma de mudar o torneio.
Lá em 2016, Infantino disse ao Mundo Deportivo sobre esse problema do Mundial de Clubes. “Hoje o futebol não se trata apenas da Europa e América do Sul, o mundo mudou e é por isso que temos que tornar o Mundial de Clubes mais interessante para os times e também para os torcedores ao redor do mundo”.
É importante colocar outro ponto em perspectiva: uma das plataformas de campanha de Infantino para se eleger presidente da Fifa foi expandir a Copa do Mundo de seleções de 32 para 48 times, algo que ele entregou. A Copa 2026 já será com 48 times, pela primeira vez. Politicamente, foi uma grande vitória para Infantino, já que mais federações estarão na Copa do Mundo.
Cada federação tem um voto, não importa se é uma federação grande ou pequena. Essa foi uma lição que João Havelange deixou lá nos anos 1970 para derrubar o que era, até então, um domínio de europeus na presidência da Fifa. Mesmo os europeus que vieram depois dele, Joseph Blatter, de 1998 a 2016 e Gianni Infantino, de 2016 até agora, seguem o mesmo caminho.
Só que a expansão do Mundial de Clubes tinha também um outro motivo: tornar comercialmente mais forte. E, neste caso, já havia patrocinadores prontos a despejar caminhões de dinheiro na Fifa promovendo a mudança. Era o caso do fundo saudita, comandado pelo governo da Arábia Saudita, que se especula que colocava US$ 25 bilhões como possibilidade para ser parceira da Fifa nesta competição e em uma possível liga mundial de seleções, mais ou menos nos moldes da Liga das Nações da Uefa.
Com as reclamações enormes em relação ao calendário congestionado, com razão, a Fifa rapidamente abriu um espaço, acabando com uma competição que era pouco importante: a Copa das Confederações. A edição de 2017 foi a última realizada e não voltaria mais a acontecer. Assim, a ideia da Fifa era substituir o torneio de seleções pelo Mundial de Clubes expandido. Dessa forma, não seria necessário abrir nenhuma vaga no calendário, seriam usadas as datas da Copa das Confederações.
Infantino ressaltava em outubro de 2017 como o Mundial de Clubes era problemático. O torneio é alvo de críticas até no Brasil, onde ganha mais a atenção. “O atual Mundial de Clubes é uma boa competição, mas realmente não teve o impacto que era esperado em desenvolver o futebol de clubes ao redor do mundo”, disse o presidente da Fifa então.
“Nós temos que ver se conseguimos vir com algo especial, algo novo que possa ajudar o futebol de clubes e confederações ao redor do mundo. Quando a Fifa organiza uma competição, deve ser algo especial, então ou encontrarmos um torneio especial, ou preferimos não fazer”, disse o dirigente, que pareceu descrever o problema para vir com a solução: “Uma opção poderia ser organizar o Mundial em vez da Copa das Confederações.
Lá em 2019, a Fifa chegou a aprovar um Mundial de Clubes com 24 times, enfrentando a ameaça de boicote dos europeus. A ideia era começar esse novo formato em 2021, com um torneio na China. Só que aí veio a pandemia, que virou o mundo de cabeça para baixo e adiou diversos torneios. A Associação de Clubes Europeus (ECA), porém, foi veementemente contra. A Uefa também. Ali, já estava claro para a entidade que dirige o futebol europeu que a Fifa estava de olho no sucesso da Champions League e queria uma versão sua.
Veio a pandemia da Covid-19 e os planos da Fifa caíram por terra. Com tantos adiamentos de torneios, o Mundial de Clubes foi inicialmente adiado, antes de ser cancelado por completo. Em 2021, quando ocorreria o novo Mundial, foi disputada a Eurocopa e a Copa América. A Fifa voltou ao formato anterior do Mundial de Clubes.
Os torneios de 2020 e 2021 precisaram ser adiados de dezembro para fevereiro do ano seguinte, algo que voltaria a acontecer na edição 2022, adiada para o início de 2023, desta vez por causa da Copa do Mundo. Em 2023, porém, o torneio voltará a ser em dezembro. Aliás, foi na Copa do Mundo de 2022, antes da final entre Argentina e França, que Infantino voltou a falar sobre o Mundial de Clubes expandido com 32 times.
“Discutimos alguns princípios estratégicos. Para os homens, concordamos em ter uma nova Copa do Mundo de Clubes, que acontecerá em 2025 e terá 32 times, o tornando como esta Copa do Mundo”, afirmou Gianni Infantino, dando novamente vida à ideia que já causou muitas repercussões negativas no futebol europeu, mas, claro, empolgou muitas das Confederações.
Havia uma ideia clara: aproveitar esse filão de futebol de clubes, que a Uefa desfruta com os poderosos e ricos clubes europeus, incluindo clubes também ricos e, ainda que em nível abaixo (ou bem abaixo) dos europeus, também importantes em outros continentes. Ou seja, uma Champions League com apelo mundial.
A ideia de um torneio quadrienal é também tentar emprestar um pouco do prestígio da Copa do Mundo ao Mundial de Clubes. E isso foi falado por Infantino: “Será uma Copa do Mundo de 32 times, a cada quatro anos, e a primeira edição será no verão de 2025. Serão os melhores times do mundo para participar. Quando falamos do produto para os próximos quatro anos, o Mundial de Clubes não está incluído na previsão de US$ 11 bilhões. Na verdade, teremos uma quantia ainda maior para investir nos próximos quatro anos”.
Ou seja: a Fifa almejava entrar nesse filão bilionário de duelos entre grandes potências de clubes em um torneio para chamar de seu. Uma Champions League turbinada, com clubes e camisas poderosas de todo o mundo, mas com um enorme predomínio de europeus – tanto que terá, pelos planos, o dobro de clubes de sul-americanos.
Na prática, isso significa que o domínio dos europeus, técnico e financeiro, tende a continuar. É bastante possível que vejamos semifinais inteiramente europeias. Afinal, com 12 clubes, o que veremos é uma mini-Champions League, com a nata dos clubes europeus, os mais ricos, mais poderosos, mais influentes, com o aditivo de camisas pesadas de outros continentes. Um Manchester City x Boca Juniors aqui, um Bayern de Munique x Palmeiras ali, um Al Hilal x Juventus, um Mazembe x Napoli e por aí vai.
Para convencer os europeus, a grana precisará ser realmente fora de série. Só assim para mover as engrenagens. A Uefa certamente não gostará muito dessa história, a não ser que receba uma fatia desse bolo. Esportivamente, a chance de um clube que não é europeu ganhar a competição é mínima.
A Associação de Clubes Europeus (ECA) deve reclamar desse novo mundial, ao menos até termos um panorama mais amplo do que pode render. A Associação de jogadores (FIFPro) já reclamou que os atletas não são respeitados e que este será mais um torneio no calendário para desgastá-los. Isso tudo significa que ainda há questões a serem acertadas. Se conseguir convencer os europeus, a Fifa finalmente realizará o seu sonho de ter uma Champions League com caráter mundial.
Por: Felipe Lobo/Trivela
Esporteenoticia.com